Revista Carta Capital -
01/07/2013
Dilma Rousseff exerce a Política, o Congresso vota vários projetos e até o Supremo se mobiliza
Sem foco, pobres de conteúdo, “moda”, desvirtuadas pela direita ou
infiltradas por vândalos. É possível apresentar todo tipo de crítica às
manifestações das úl ti mas semanas, mas é inegável o efeito das ruas
nos gabinetes da política. Se o tal gigante acordou, como dizia m os
cartazes em inúmeras cidades, foi para dar uma chacoalhada e tirar da
letargia principalmente o Congresso Nacional. O recesso do meio do ano
foi cancelado e os parlamentares entraram em um frenesi legislativo a
ponto de aprovar medidas às pencas sem ma iores reflexões a respeito de
seus resultados.
Projetos de Lei e Propostas de Emendas
Constitucionais que se arrastavam nas duas casas do Legislativo havia
meses, anos até, saíram da gaveta. Para não ficar atrás no esforço
cívico, o Supremo Tribunal Federal mandou prender o de putado federal
Natan Donadon (PMDB-RO), condenado em 2010 por peculato e formação de
quadrilha. A presidenta Dilma Rousseff, após um pronunciamento em cadeia
nacional, reuniu-se com líderes dos protestos em São Paulo,
sindicalistas, representantes da sociedade civil, governadores,
prefeitos de capitais eaté integrantes da oposição. Lançou uma série de
medidas e tenta dar forma aos desejos das ruas. Sua principal proposta é
um plebiscito para definir as bases de uma reforma do sistema político e
eleitoral.
Na terça-feira 25, os senadores mal saíram da reunião da
Comissão de Constituição e Justiça e foram obrigados a correr ao
plenário, onde o presidente da Casa, Renan Calheiros, lia
atropeladamente os 16 itens que pretendia colocar na pauta de votação,
"em resposta à sociedade”. No d ia seguinte, um fato inédito: o Senado
não parou para assistir à vitória do Brasil sobre o Uruguai na Copa das
Confederações. Preferiu votar os projetos Listados por Calheiros nas
áreas de Saúde, Educação, Combate à Corrupção. Mobilidade Urbana e
Segurança Pública, todos diretamente conectados com os protestos.
A
PEC dno Trabalho Escravo, 11 anos de tramitação e sempre barrada pela
bancada ruralista, foi aprovada na CC J e vai a plenário. O Senado
aprovou ainda o projeto que transforma corrupçãoe homicídio em crimes
hediondos, uma inutilidade legal, pois o problema está em levar
corruptos e corruptores a julgamento. Os royalties do petróleo serão
investidos em educação (75%) e saúde (25%). Na Câmara, a CCJ aprovou o
fim das votações secretas durante processos de cassação de parlamentares
e a PEC de autoria da deputada Luiza Erundina (PSB-SP) que iguala o
transporte público aos direitos sociais na Constituição, ao lado de
educação e saúde, abrindo caminho para a gratuidade. A polêmica PEC 37,
limitadora do poder de investigação do Ministério Público, sucumbiu.
Outro
reflexo das manifestações foi a criação de CPIs do Transporte Público
em quatro cidades até agora: São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba e
Maringá. Em Santa Mar ia (RS), manifest antes ocuparam a Câmara de
Vereadores ao vir à tona uma gravação em que integrantes da CPI para
apurar o incêndio na boate Kiss, que vitimou 242 jovens em janeiro,
sugeriam a "blindagem" do prefeito Cezar Schirmer. O protesto pedia a
renúncia dos vereadores flagrados na gravação.
O prefeito de São
Paulo, Fernando Haddad, cancelou a bilionária licitação dos ônibus para
discuti r com a população e prometeu abrir as planilhas dos custos do
transporte. “ Não podemos assinar contratos de 15 anos sem participação
popular. O momento em que estamos exige a participação da sociedade.” O
governador Geraldo Alckmin, que se havia unido ao prefeito e voltado
atrás no reajuste da tari fia de metrô e trens, cancelou o aumento de
6,5% no valor do pedágio das estradas paulistas previsto para julho,
Na
próxima terça-feira 2, Dilma Rousseffvaí enviar ao Congresso uma
mensagem com ao menos dois itens fundamentais no plebiscito da reforma
política: financiamento público, privado ou misto de campanha e o modelo
de voto (distrital, distrital misto ou proporcional). O governo propõe
um calendário apertado. O Pla nalto gostaria de realizar plebiscito em 5
de outubro, assim as mudanças valeriam para as eleições de 2014. Antes
disso, o Congresso precisa, porém, transformar a mensagem em decreto
legislativo e aprovar. Seriam necessárias no mínimo duas semanas de
campanha antes do voto popular.
Embora o Planalto tenha anunciado na
quinta-feirüa 27 um acordo inicial com a base aliada, a resistência na
Câmara dos Deputados ao plebiscito é forte. Os parlamentares mais
influentes, aliados inclusive, preferem o referendo: o Congresso
primeiro aprovaria a lei e só depois a população opinaria se concorda ou
d iscord ade cada item. Para o governo, não funcionaria, pois a reforma
política está na pauta faz muitos anos e sofre feroz resistência no
Parlamento. O último projeto, de autoria do deputado petista Henrique
Fontana, nunca foi debatido em plenário, apesar de sua inegável
qualidade. Fontana defende a votação de sua proposta, seguida por um
referendo.
Com o anúncio na segunda-feira 24, e posterior
desistência, da proposta de uma Assembleia Constituinte exclusiva para
cuidar da reforma política, Dilma atraiu a resistência de parte do
Congresso, à exceção dos partidos de esquerda. A ideia foi descrita pela
oposição como um "golpe", um arroubo chavista. Fernando Hen rique
Cardoso mais uma vez esqueceu as próprias ideias e atacou a
Constituinte, embora tenha proposto algo muito semelhante em 1999.0 PMDB
também não gostou. Resultado: Ca1hei ros deu uma canja ao senador
mineiro Aécio Neves, autorizado a discursar por uma hora e meia enquanto
o presidente do Senado presidia a sessão. O GloboNews, canal de
notícias da Globo, deu outra mão: transmitiu ao vivo boa parte do
discurso do tucano, centrado em críticas duras à presidenta.
Ironicamente,
a única capital onde os protestos mantêm vigor (40 mil na quarta 26) é a
Belo Horizonte do senador mineiro. E a notícia não é boa para a
oposição. Uma pesquisa entre os manifestantes realizada pelo instituto
Innovare mostrou que os mineiros nas ruas têm rejeição menor à
presidenta do que ao governador tucano Antonio Anastasia e ao prefeito
de Belo Horizonte. Mareio Lacerda, do PSB. Enquanto Dilma teve sua
administração considerada negativa por 47,7% dos entrevistados,
Anastasia foi rejeitado por 70,4% e Lacerda por 71,6%.
a quarta-feira
26, do lado de fora do Mineirão, uma manifestação descambou para uma
batalha campal após um grupo ter rompido a barreira de proteção que
fixava um limile imposto pela PM em torno do estádio. Envoltos pela
fumaça do gás lacrimogêneo, manifestantes com o rosto encoberto
invadiram uma concessionária e atearam fogo em vários veículos no meio da rua. No centro de BH. correria e con fusão.
A
BASE ALIADA NÃO RECEBEU BEM A PROPOSTA DO PLEBISCITO PARA A REFORMA
POLÍTICA E AMEAÇA RETALIAR. CONTRA DILMA HÁ QUEM QUEIRA ACABAR COM A
REELEIÇÃO EM 2014
A mídia, por seu lado, segue ao sabor das ondas. No
início condenou os protestos e chamou seus participantes de “vândalos”.
Embarcou depois em uma “onda cívica” com o claro intuito de
desestabilizar o governo federal. Diante da impossibilidade de domar o
cavalo brabo das ruas conforme seus interesses, passou a emtir sinais de
cansaço. Ou talvez tenha recuado por temer a possibilidade de o Palácio
do Planalto transformar o limão em limonada. Em editoriais, os
principais jornais do País condenaram ora o açodamento das decisões
tomadas em Brasília, ora o “populismo” de algumas medidas e a própria
reforma política. “Pesquisas feitas entre manifestantes, antes da
reunião de segunda, não detectaram o desejo por uma reforma política”,
contrapôs O Globo. Para o diário da família Marinho, seria
“contorcionismo” aliar a reforma a algum dos itens das man i festações.
Aparentemente os editoriais ignoram um fato: segundo especialistas, a
reforma política, e em especial o financiamento público de campanha,
seria fundamental para coibir a corrupção, tão lembrada nas
manifestações.
Quem saiu em defesa da reforma foi o presidente do
STF, Joaquim Barbosa. Após encontro com Dilma, Barbosa colocou em dúvida
a capacidade do Congresso de aprovar a reforma. “Em um momento de crise
grave como o atual, a propositura de reformas via emenda constitucional
seria viável? Essas propostas já não tramitam no Congresso Nacional há
anos? Houve em algum momento demonstração de vontade política de levar
adiante essas reformas?” O presidente do Supremo fez algumas sugestões,
entre elas a possibilidade de revogação do mandato (recall) e, curioso
de sua parte, de candidaturas avulsas, independentes de partido. Barbosa
e o vice-presidente da República, Michel Temer, demoveram Dilma da
ideia da Constituinte. A discussão sobre a cons titucionalidade da
proposta poderia durar meses, argumentaram. A presidenta recuou, mas vai
insistir no plebiscito.
m efeito colateral do sopro das ruas foi
desnudar de vez a resistência da base na Câmara a Dilma, não só por
parte do PMDB como do próprio PT. As ameaças agora começam a ser feitas à
luz do dia. O líder do PP, Arthur Lyra, acenou com a proposta do fim da
reeleição em 2014, prejudicando-a, e o líder do PMDB, Eduardo Cunha,
foi além e defendeu a inclusão do debate sobre o sistema de governo em
uma possível consulta popular. “Se estivéssemos no parlamentarismo, este
governo já teria caído.” Uma fonte do Palácio compara a crise atual com
o Congresso àquela vivida por Lula quando explodiu a denúncia do
chamado “mensalão”, em 2005. Naquela época, a saída encontrada por Lula
foi se reaproximar dos movi mentos sociais. Nos últimos dias, Dilma,
frequentemente criticada por não receber entidades representativas da
sociedade, abriu as portas do Planalto aos jovens do Movimento Passe
Livre, organizador dos primeiros protestos contra o aumento da tarifa em
São Paulo. Estiveram com ela ainda representantes dos moradores de rua,
da Central Única das Favelas, dos Trabalhadores Sem-Teto e da Pastoral
Carcerária. Pode ser a hora de reencontrar velhos aliados.
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