segunda-feira, 1 de julho de 2013

Os órfãos no mundo político - Marcos Coimbra

Revista Carta Capital - 01/07/2013

 POR MARCOS COIMBRA


 A CLASSE MÉDIA ANTIPETISTA NÃO SE SENTE REPRESENTADA PELA OPOSIÇÃO.

Sua tentativa de controlar as ruas é prova desse vazio


 Enquanto perdem fôlego e amainam as manifestações que afetaram o País nas últimas semanas, está na hora de procurar entender seu significado. Uma das maiores dificulades para compreende-las está no fato de os protestos não terem sentido único, salvo talvez nos primórdios, quando usuários de transportes públicos foram às ruas em São Paulo para reclamar do aumento no preço das passagens, Naquele momento ainda tínhamos o cenário capaz de explicaras mobilizações sociais mais características: causa concreta, indivíduos diretamente afetados, reivindicações claras.As manifestações seguintes, muito se diz, foram novas. Diferentes, por exemplo, daquelas conduzidas pela direita em busca da deposição de João Goulart nos anos 60 do século passado.

Mas será que a "horizontalidade" e a "difusão" das atuais as tornam mesmo originais? Não terá existido, nas manifestações deste mês de junho, um segmento com um papel definidor análogo àquele dos anticomunistas e dos conservadores católicos nas marchas de 1964? Entre os muitos tipos presentes nas ruas, nenhum forneceu personalidade ao "movimento"?

Para identificar o sentido dos protestos de agora, temos o perfil mais típico dos participantes, suas bandeiras mais características e as reações mais comuns suscitadas.

Nada ilustra melhor a mudança do perfil socioeconômicodos manifestantes do que a imagem veiculada pela TV Globo nos primeiros jogos do Brasil na Copa das Confederações: madames vestidas a caráter e cheias de balangandãs com cartazes de apelo ao "fim da corrupção" e com propaganda de um endereço noTwitter. Os jovens tornados astros dos "insatisfeitos" no YouTube parecem seus filhos ou irmãos.

No conteúdo, o elemento central da "ideologia das ruas" foi a crítica à reprerentação políticae às instituições, particularmente os partidos políticos. Os manifestantes gritaram País afora não se sentirem representados por ninguém, foram à rua para denunciar os "políticos" e "fazer política com as próprias mãos". As vagas perorações em favor de "mais verbas para a educação e a saúde" ou contra os "gastos exagerados na Copa do Mundo" não passaram de pretextos para externar sua aversão ao sistema político e ao governo.

Quem monitorou as redes sociais durante esses dias percebeu: os defensores mais entusiastas das passeatas foramos antipetístas radicais. Esses se senti ram em íntima comunhão com os participantes e torceram para as manifestações escalarem a ponto de enfraquecer o governo e prejudicar as chances de reeleição de Dilma Rousseff.

Para dizer o óbvio, quem deu o sentido das manifestações foi a classe média antipetista, predominantemente de direita. Nem sempre, nem todos os participantes, mas em seu núcleo característico. Ou seja: embora tenham participado do movimento desde punks neonazistas até adolescentes apenas curiosos (e mesmo gente genuinamente progressista), seu rosto é nítido.

A classe média antipetista tem motivos reais para estar insatisfeita com a sua representação. Ao contrário do cidadão simpatizante do PT e de outros partidos de esquerda, eque majoritariamente aprova o governo, ela se sente mal representada.Faz tempo Fernando Henrique Cardoso lhe dá razão. Em texto de 2011, em que tentava explicar a vitória de Dilma e definia novos caminhos para a oposição, o ex-presidente propunha ao PSDB deixar o "povão" para o PT e procurar a classe média: "É a essa que as oposições devem dirigir suas mensagens prioritariamente". O partido precisava, segundo FHC, "mergulhar na vida cotidiana" e encontrar "1igações orgânicas com grupos que expressem as dificuldades e anseios do homem comum" (leia-se de classe média).

Lembrava a existência de "toda uma gama de classes médias", empresários jovens, profissionais, "novas classes possuidoras", "ausentes do jogo político-partidário, mas não desconectadas das redes de internet, Facebook, YouTube, Twitter etc." A considerar seu "pragmatismo", o discurso para atraí-las não deveria ser "institucional", mas centrado em temas como a corrupção, o trânsito, os problemas urbanos, os serviços públicos.

FHC queria uma oposição pronta a suscitar o interesse da classe média e que lhe "oferecesse alternativas". Se não conseguisse ser "uma alternativa viável de poder, u m caminho preparado por lideranças nas quais confie", nem sequer adiantaria "se a fagulha da insatisfação produzisse um curto-circuito".

Falou, mas não fez. Nesta, como em outras oportunidades, as oposições brasileiras mostraram-se mais competentes na conversa do que na ação. Perceberam os desafios, mas não lhes deram resposta.

Foram de José Serra, quando precisavam renovar-se. Apresentam Aécio Neves como continuador da "herança de FHC". Nada fizeram para "organizar-se pelos meios eletrônicos, dando vida a debates verdadeiros sobre os temas de interesse dessas camadas", como sugeria o ex-presidente.Presas de seus paradoxos, as oposições criaram a crise de representação dos setores da sociedade a quem pretendiam (e deveriam) expressar. Talvez principalmente tenha sido a impaciência das classes médias antipetístas com a oposição que as levou às ruas.

Depois, é claro, de um ano de ataque da mídia conservadora ao governo. Seus estrategistas acharam ter conseguido, por meio de incursões cirúrgicas, eliminar apenas as lideranças do PT. Terminaram, porém, por ferir valores fundamentais da democracia.

FHC PEDIA AOS SEUS UM MERGULHO "NA VIDA COTIDIANA" E A BUSCA DE "LIGAÇÕES ORGÂNICAS COM GRUPOS QUE EXPRESSEM AS DIFICULDADES E OS ANSEIOS DO HOMEM COMUM". COMO DE COSTUME. NÃO FOI OUVIDO
 

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