Revista Carta Capital -
01/07/2013
Só mesmo a direita reacionária afirma suas certezas
QUEM ENTENDE que as manifestações dos últimos dez ou mais dias mudam o
Brasil? Justifica-se ainda a incerteza quanto ao real sign ificado do
protesto, mas a direita já proclama a sua verdade. Deste ponto de vista,
exemplares são Veja e Epoca da semana passada. Esmeram-se em edições
retumbantes, uma histórica, outra especial, e invocam o suporte do
"auriverde pendão de minha terra, que a brisa do Brasil beija e
balança", desfraldado em suas capas. E o conluio da retórica, do
pieguismo e da h ipocrisia, bem ao contrário dos versos de Castro Alves,
extraídos do poema O Navio Negreiro, repto contra acasa-grande e seus
desmandos e prepotências.
Não é preciso ser de esquerda para
entender que este nosso trópico tanto se inclina facilmente à festa
quanto à ilusão. Para não cair no engodo, basta a razão, mercadoria
raríssima, no entanto, nas nossas latitudes, como diz
Thomaz Wood na
sua magistral coluna, publicada à página 43. A razão, fruto
resplandecente do Iluminismo, do qual brotou a Revolução Francesa,
aquela capaz de desencadear a Idade Moderna. A revolução que, 224 anos
depois, ainda não aconteceu por aqui.
E nem haveria de se dar no
país da casa-grande e da senzala, ainda de pé, implacáveis na sua
permanência. A burguesia da França de 1789 soube envolver o povo no seu
projeto de derrubar a monarquia por direito divi no, e a aristocracia e o
alto clero que a cercavam. A turba serviu a suas intenções e, cumprida a
tarefa voltou a ser povão. Ainda assim, aprendeu algo novo, e mais
tarde tira ria proveito do aprendizado. Não é por este caminho, em todo
caso, que o protesto das ruas nativas se move, mesmo porque os alvos são
vagos e até insondáveis, a não ser aqueles do começo do movimento,
quando a periferia elegeuo aumento das passagens de ônibus como simbolo
dos maus-tratos que, em geral, o Estado 1 he impõe. O descaso ignóbil
quelhe reserva.
Há uma questão contingente, visível a olho nu. O
crescente descolamento das instituições ditas democráticas, dos poderes
do Estado, do governo e dos partidos, daqueles que são interesses e
necessidades da nação, da maioria dos cidadãos, conscientes ou não da
cidadania. A difusa insatisfação, popular e nem tanto, talvez não passe
de uma sensação nebulosa, mas se explica pela falta de comando e,
portanto, de referência. De sancta sanctorum a quem recorrer. Anunciada a
falência dos partidos, clamorosa a do PT. O verdadeiro partido de
oposição é a mí-dianativa, Como tal age, àvontade diante da
condescendência de um governo incapaz de reagir à altura, por motivos
desconhecidos, às agressões diuturnas.
Parece até vocação de
mulher de apache na sua mais inspirada exibição na Place Pigalle.
Perfeito no papel de ministro do plim-plim, Paulo Bernardo. Nas páginas
amarelas da já citada edição histórica da Veja, o ministro aparece, com
direito a foto em pose de varão de Plutarco, para anunciar o propósito
de acabar de vez com "a obsessão do PT de censurar aimprensa". Quem sabe
o nosso herói seja apartidário.
Ora, ora, o ministro endossa a
tese da mídia nativa, e ilie oferece o indispensável (decisivo?) apoio,
enquanto a Secom. entidade inexistente em países mais democráticos e
civilizados, distribui à mídia a publicidade governista com generosidade
invulgar, especialmente às Organizações Globo, premiadas anualmente com
mais de 900 milhões de reais.
A liberdade reclamada pelo
jornalismo pátrio é a liberdade de fazer o que bem entende, inclusive
inventa r. omitir e mentir. E o que diz Paulo Bernardo? Que assim seja.
interessante observar que na última pági na da mesma edição da nau
capitania da frota abri liana leio a seguinte interpretação das
passeatas: “O povo (?) está dizendo que este governo de farsa montado
por Lula há mais de dez anos rouba, mente, desperdiça, não trabalha,
trapaceia, entrega-se aos escroques, cobra cada vez mais imposto e
fornece serviços públicos vergonhoso. Suponho que, na opinião de Veja, o
governo de Fernando Henrique tenha trafegado por rotas opostas e
fornecido ao povo serviços públicos primorosos.
Na opinião de
CarlaCapital, a própria democratização, por ora apenas esboçada, e com
timidez, traria a solução ao limitar os alcances dos oligopólios
midiáticos por meio de leis eficazes, hoje inatingíveis por obra de um
Congresso totalmente comprometido, sem falar de ministros como Paulo
Bernardo. Há quem diga que a concentração é o destino do poder
jornalístico no mundo todo, mesmo assim o Reino Unido não hesitou
recentemente em expulsar das terras britânicas Rupert Murdoch, o grande
concentrador.
As considerações devem induzir quem concorda com
elas a uma reflexão mais racional a respeito da situação que vivemos, de
sorte a evitar as costumeiras decepções. Sem esquecer que os problemas
contingentes plantam raízes no imanente. Ou seja, são próprios do país
da casa-grande e da senzala, são o fruto de trés séculos e meio de
escravidão ainda vivos embora enverguem trajes aparentemente
contemporâneos. Tal é a questão que inquietava Castro Alves e, até hoje,
serpenteia nas vísceras do Brasil. E vem à tona para impedir que a
nação se una e compacte, a não ser na hora de aplaudir Neymar. Contra,
aliás, as conveniências de uma burguesia sempre pronta a afirmar sua fé
no capitalismo, sem saber do que se trata.
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