sábado, 19 de abril de 2014

Semana Santa de outrora - Luiz Mott

A Tarde/BA - 19/04/2014

Luiz Mott
Professor titular de Antropologia da Ufba
luizmott@oi.com.br

Na infância e juventude dos/das coroas
nascidos como eu no século passado
(sou de 1946), Semana Santa e Páscoa
eram coisa muito mais solene do que o atual
consumismo pós-moderno. Começava mesmo
na quarta-feira de Cinzas, com a cruzinha
de cinza na testa e abstinência de carne nas
sextas-feiras da Quaresma.

A procissão de Ramos, no domingo que
antecede a Páscoa, era penitência gostosa,
festiva, lembrando a entrada gloriosa de Jesus
em Jerusalém. Os ramos de palmeira eram
guardados para afastar doenças e as ciladas
do demônio. Quinta-feira Santa, chamada na
Bahia de “maior”, era dia soleníssimo de visitar
igrejas, assistir à missa da instituição da
eucaristia e a cerimônia do lava pés: confissão
e comunhão obrigatórias.

Na Bahia há a tradição persistente do banquete
com tudo que é comida de azeite, incluindo
obrigatoriamente bacalhau e vinho
tinto. Nada dessas comilanças esdrúxulas na
minha Pauliceia de outrora.

A sexta-feira Santa era dia de passar fome:
no tempo de minha mãe e avó, não se comia
quase nada, quandomuito, fazia-se a consoada:
“leve refeição noturna, sem carne, em dia de
jejum”. Dia proibido de varrer a casa, interditado
cumprir o dever conjugal e se divertir.
Nas rádios, só música clássica, triste. Nos cinemas,
filmes da Paixão de Cristo. Às 15 horas,
cerimônia da adoração da santa cruz, seguida
da procissão do SenhorMorto, comcantoria da
Verônica e o reco-reco das matracas.

No sábado santo, na vigília pascal, o longo
ofício das trevas e solene acendimento do
círio, matéria-prima para confecção dos valorizados
agnus-dei, esses pequeninos patuás
católicos, antídotos contra as tentações infernais.
Comunhão pascal obrigatória.

À meia-noite, hora oficial da ressurreição
do crucificado, muito alarido de sinos, buzinas,
gente na rua batendo pedra nos postes
de ferro. Nas periferias ainda se queimava o
Judas. Ceia com leitoa assada, pururuca.

No domingo de Páscoa, os deliciosos ovos
de chocolate da Lacta. Nos lares mais abastados,
da Kopenhagen. Aleluia, aleluia!

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