sábado, 19 de abril de 2014

Um cinema chamado saudade - JC Teixeira Gomes

A Tarde/BA  - 19/04/2014

JC Teixeira Gomes
Jornalista, membro da
Academia de Letras da Bahia
jcteixeiragomes@hotmail.com

Estão em andamento preparativos para o relançamento do livro Um cinema chamado saudade, de Geraldo Leal, já falecido, e do seu sobrinho Luís Leal Filho, cuja primeira edição é de 1997. Trata-se de meritória obra de pesquisa, talvez, pela abundância de dados, sem paralelos no Brasil, e que em boa hora a Assembleia Legislativa da Bahia, pelo seu setor editorial, tão competentemente dirigido pelos dinâmicos Bina e Délio, integrará em seu catálogo.

Não pretendo aqui efetuar uma resenha do livro, que, pela riqueza de informações, mereceria apreciação mais detalhada de críticos de teatro, cinema e historiadores emgeral. Na verdade, o que desejo é evocar a dedicação de duas figuras às coisas de teatro e cinema na Bahia: a primeira é o próprio Geraldo Leal, que, sem formação específica de historiador, foi uma das mais espontâneas vocações de pesquisador que conheci na Bahia.

Quanto à outra figura, vou puxar brasa para a sardinha da minha família, ou seja, pretendo falar um pouco sobre a figura excepcional do meu avô João Oliveira, fundador do Cine-Teatro Jandaia, que a incúria e a omissão dos órgãos ditos culturais do Estado e da Prefeitura de Salvador permitiram que se transformasse numa pirâmide de escombros.

Dentista de profissão, Geraldo Leal viveu grande parte da sua vida imerso nos alfarrábios e documentos existentes no Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, tão zelosamente preservados pela sua eficiente presidente Consuelo Pondé de Sena, campeã na luta contra dificuldades tão comuns na vida das instituições brasileiras.

Todas as vezes emque precisei recorrer ao instituto em busca de dados para meus livros, lá encontrei, obstinado e incansável, Geraldo Leal a remexer papéis velhos, desenterrando, de uma pilha enorme de jornais antigos, informações sobre a fundação e a existência de antigos teatros e cinemas baianos, além de compulsar com devoção a pouca bibliografia existente sobre esses assuntos.

Era, além de grande pesquisador, um conversador educado e amável, que sentia prazer em trocar com seus interlocutores informações variadas sobre temas comuns, que sempre enriquecia com observações pertinentes. O que estivesse ao alcance das suas pesquisas ele colocava a serviço do interesse dos demais frequentadores do instituto. Não se limitava a assuntos ligados a seus livros ou áreas de conhecimento.

Prestimoso, era uma referência para contatos úteis, uma fonte permanente de incentivos e de informações. Além dos seus incomparáveis trabalhos sobre cinema e teatro na Bahia, ocupou-se largamente das coisas do nosso passado, pois a sua mais forte vocação era revolver o legado da vida baiana de antigamente para fazê-lo retornar à convivência do presente.

Foi o interesse de Geraldo Leal pelas primeiras manifestações do cinema na Bahia que o levou ao encontro da grande figura do meu avô João Oliveira, um autêntico pioneiro do cinema brasileiro. Empresário de sucesso emmúltiplos ramos de atividade, homem rico que morava na Vitória e já naquela época possuía sofisticados automóveis, nos quais levava os sete filhos a passear nos embrionários desfiles carnavalescos de Salvador, João Oliveira enterrou fortuna e saúde no desafiador projeto de erigir na Bahia, no início dos anos 40, o mais belo cinema e teatro da sua época, o Jandaia, num terreno que possuía na Baixa dos Sapateiros.

Não era uma simples casa de espetáculos. Era um palácio “art nouveau”, embelezado com alfaias e rico acervo ornamental trazido da França. O sistema de iluminação interna do Jandaia não tinha paralelos, consistindo em fiações embutidas com lâmpadas coloridas à mostra, que acendiam alternativamente. A plateia acomodava nas cadeiras, galerias e camarotes de luxo mais de 2.500 confortáveis unidades. A ornamentação das paredes e do imenso teto, obra audaciosa de engenharia, era feita com estátuas de belos relevos de mulheres nuas em estuque, assinados por artistas franceses.

Era, pois, uma obra de arte. Hoje, como tantas coisas na Bahia, é uma lembrança sepultada em ruínas.

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