sexta-feira, 23 de maio de 2014

Censura não é justiça - Rogério Medeiros Garcia de Lima


Rogério Medeiros Garcia de Lima
Desembargador do TJMG, doutor pela UFMG e professor
Estado de Minas: 23/05/2014

 

O chamado jornalismo investigativo teve marco emblemático no escândalo Watergate, na década de 1970. Os jornalistas Bob Woodward e Carl Bernstein, do jornal Washington Post, investigaram gravações ilícitas obtidas por aliados do presidente norte-americano Richard Nixon na sede do Partido Democrata, opositor do presidente. A sede dos democratas estava instalada no edifício Watergate, o que explica o nome dado ao affair.

O jornal sofreu muitas pressões políticas e econômicas. Todavia, o diretor do órgão autorizou Woodward e Bernstein a prosseguir com as reportagens. Entendeu ser necessário preservar a Primeira Emenda da Constituição – sobre liberdade de imprensa – e o futuro dos Estados Unidos. Desvendado o escândalo, Nixon renunciou ao mandato presidencial.

Desde o impeachment do presidente Fernando Collor, o jornalismo investigativo firmou-se no Brasil. São inúmeras as autoridades e personalidades famosas incomodadas pelo trabalho da imprensa em nosso país. Frequentemente, acionam o Poder Judiciário para impedir a veiculação de notícias que entendem ofensivas às suas reputações. Não raras vezes, medidas judiciais cerceiam a liberdade de imprensa. Alguns, mais exaltados, chegam a propor a criação de um estapafúrdio “controle social” dos meios de comunicação.

O Conselho Nacional de Justiça instalou o Fórum Nacional do Poder Judiciário e Liberdade de Imprensa, para debater soluções que assegurem a liberdade de expressão nesse contexto de evolução dos instrumentos midiáticos. É preciso salientar que o artigo 220 da Constituição Federal consagra o princípio da liberdade de expressão. Veda o embaraço à plena liberdade de informação jornalística e toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.

Com base nesse preceito constitucional, o Supremo Tribunal Federal considerou a Lei de Imprensa (Lei nº 5.250, de 1967) incompatível com a atual Constituição, motivo pelo qual não deverá ser mais aplicada:

“Não há liberdade de imprensa pela metade ou sob as tenazes da censura prévia, pouco importando o Poder estatal de que ela provenha. Isso porque a liberdade de imprensa não é uma bolha normativa ou uma fórmula prescritiva oca. (...) A crítica jornalística em geral, pela sua relação de inerência com o interesse público, não é aprioristicamente suscetível de censura. Isso porque é da essência das atividades de imprensa operar como formadora de opinião pública, lócus do pensamento crítico e necessário contraponto à versão oficial das coisas, conforme decisão majoritária do Supremo Tribunal Federal na ADPF 130” (Supremo Tribunal Federal, Referendo na Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.451-DF, ministro Ayres Britto, DJe 01.07.2011).

Está claro: não pode haver censura. Para reparação de eventuais ofensas ilícitas à reputação das pessoas, a mesma Constituição estabelece, no artigo 5º: “(...) IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; (...) X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; (...)”.

Em suma, a Constituição de 1988 instituiu o Estado democrático de direito. Consagra inúmeras garantias individuais e coletivas, traduzidas em princípios dotados de eficácia normativa direta. Entre eles, os princípios da liberdade de expressão e da plena liberdade de informação jornalística.

Desde os primórdios de sua República, os norte-americanos são ciosos da liberdade de imprensa. Thomas Jefferson, um dos “pais fundadores” e ex-presidente dos Estados Unidos, proclamou: “Se eu tivesse que escolher entre um governo sem imprensa e uma imprensa sem governo, não hesitaria em escolher a última”.

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