domingo, 17 de fevereiro de 2013

Colunista Convidado - HAMILTON VAZ PEREIRA

O GLOBO - 17/02/2013
 A arte liberta

“A imaginação e o pensamento
crítico fortalecem a capacidade
de se colocar no lugar do outro e de
dialogar com o diferente. A arte
prepara para viver a diferença”

O Brasil vive um bom momento, os indicadores sociais e econômicos o
atestam, apesar das encrencas insolúveis. Vivi a juventude na ditadura militar
e o começo da idade adulta na era Collor, épocas em que o Estado não
tolerou a imaginação e o pensamento e resolveu acabar com a raça de artistas,
cientistas e filósofos. Neste domingo, pensando nos filhos e netos daquela
geração, parece que a vida brasileira melhorou em diversos aspectos.
Vamos aproveitar a chance de fazer daqui um bom lugar para viver? Ou depois
da Copa e das Olimpíadas vamos descobrir que os fundamentos da
nossa economia não eram fortes e os últimos anos não foram tão melhores?

Você, na praia dominical, diante de um churrasco memorável ou fazendo
sexo veraneio, concorda que crescimento econômico não é qualidade de vida
e que lucro não é ápice da existência? Pois, então, somos uma megaeconomia,
convivemos com uma concentração de renda tipo Serra Leoa e uma
tragédia social imensa. É assim. Para ser de outra maneira, precisamos de
diversos saberes e trabalhar muito. Não se produz bem-estar sem arte, ciência
e filosofia. O mundo precisa de gente capaz de avaliar o velho problema
e praticar a nova solução. Tratar a arte como supérflua não cola. Em épocas
sombrias, respiramos Chico, bebemos Glauber, devoramos Cacilda. Fala,
Mangueira!

A imaginação e o pensamento crítico, entre outros benefícios, fortalecem
a capacidade de se colocar no lugar do outro e de dialogar com o diferente.
Isso é bom porque o mundo está cheio de intolerância, incapaz de suportar
o que não é semelhante. A arte prepara para viver a diferença. Desde os antigos
festivais gregos, o teatro estimula o cidadão para além do mundo civilizado
e da vida medíocre. O espectador descobre o assunto da cena observando
pontos de vista de diversos personagens. E tudo com a grande vantagem:
ninguém mata ou morre de verdade. Não é o máximo?

Agora que o mundo presta atenção nesta província e a Copa e as Olimpíadas
se aproximam, é legal que o carioca exercite seu dom da hospitalidade
apresentando aos brasileiros e estrangeiros de todas as partes espetáculos
que afirmam diversas maneiras de estar na vida. Há bons motivos para ir ao
balé, ao cinema, às artes plásticas: são atividades que enriquecem a pessoa,
são tônicos para a sociedade, favorecem os negócios da cidade. Mas o público
tem que chegar junto, e os responsáveis precisam reabrir nossos teatros
com segurança e rapidez.

Que tal, agora, escolher o que você vai assistir hoje? Chama o amigo para
ver “Oréstia”, convida a gata para assistir a “O desaparecimento do elefante”,
leva a sogra para ver “Esta criança”. Saíram de cartaz? Mas, já? Torça para
que voltem. O palco estimula o cara a não seguir a manada de búfalos. Se
você não é um pernóstico da existência, uma dorminhoca com coisas mais
importantes para fazer, vai gostar de estar na plateia. Neste verão, verdadeiros
antídotos contra a mediocridade estão nos palcos. Entre vários, “Jacinta”.
O teatro que tem Andréa Beltrão e Aderbal Freire Filho em atividade merece
amor e mais amor. Viva Walmor Chagas e Mané Garrincha. Uma oração
para Santa Maria. E bom domingo a todos!

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