sábado, 16 de fevereiro de 2013

O peso de uma herança - Zuenir Ventura

O GLOBO - 16/02/2013

No terreno da moral, houve pouco
avanço. Menos por vontade
de transparência e mais por
vazamentos é que os escândalos
financeiros e sexuais vieram à tona

Sou do tempo em que falar mal do Papa, ou simplesmente criticá-lo, era uma heresia, um pecado, mesmo que ele fosse Pio XII. Coroinha aos nove anos, cresci ouvindo histórias edificantes sobre ele, para só mais tarde descobrir sua omissão em relação ao nazifascismo durante a II Guerra Mundial. De lá para cá, principalmente após o Vaticano II, a Igreja Católica se abriu mais. Por meio do aggiornamento promovido por João XXIII, ela se atualizou e, sem subverter os dogmas, procurou adaptar-se ao mundo moderno, adotando a liberdade religiosa, o ecumenismo e a reforma da liturgia. Mas, no terreno da moral, houve pouco avanço. Menos por vontade de transparência e mais por vazamentos é que os escândalos financeiros e sexuais vieram à tona para comprometer o pontificado de Bento XVI, que sai queixando-se da “hipocrisia religiosa” e das “divisões do corpo eclesiástico, que desfiguram a face da Igreja”.

Nesse ambiente obscuro de intrigas, traições e luta pelo poder, surgem personagens que parecem saídos de Brasília, como esse Roger Mahony, ex-arcebispo ficha-suja de Los Angeles, que durante 25 anos acobertou criminosamente o abuso sexual de mais de 500 meninos e, em vez de ir para a cadeia, vai agora para o Senado, ou melhor, desculpem, para o conclave escolher o novo Pontífice.

Em matéria de herança indesejada, o próprio Joseph Ratzinger tem respingos na sua ficha. Em 2010, diante da explosão de ocorrências de pedofilia na Igreja de vários países, ele teve que enfrentar fortes pressões para que renunciasse, acusado de ter escondido milhares desses casos quando era bispo na Alemanha e cardealchefe da Congregação para a Doutrina da Fé. Resolveu a crise encontrando-se com as vítimas e pedindo desculpas pelos abusos cometidos por membros do clero. O “New York Times” chegou a acusá-lo de ter se recusado a punir em 1996 um sacerdote americano que molestou repetidamente 200 crianças surdas. Essas feridas no corpo e na alma da Igreja Católica ainda não tinham cicatrizado, quando estourou outro escândalo, esse em outra área, o “Vatileaks”, o vazamento das cartas enviadas pelo núncio nos EUA, Carlo María Viganò, denunciando “corrupção, prevaricação e má gestão” na administração vaticana. O mordomo e confidente confessou o roubo, alegando que queriaprovocar um “choque para colocar a Igreja no bom caminho”. Condenado a 18 meses de prisão, acabou recebendo a visita do Papa, que foi pessoalmente anunciar o seu indulto.

Lendo o que foi dito nesses últimos dias por especialistas e teólogos, chega-se à conclusão de que o novo Papa vai precisar de muita disposição e saúde para se desfazer dessa herança maldita.

Nenhum comentário:

Postar um comentário